João Baptista da Silva Leitão de Almeida, mais tarde visconde de Almeida Garrett, nasceu no Porto, no dia 4 de Fevereiro de 1799, e faleceu em Lisboa em 1854. Seu pai, António da Silva Bernardo, selador da Alfândega do Porto e natural da ilha do Faial, refugiou-se com a família na ilha Terceira para evitar o flagelo da invasão francesa de 1810.

João Baptista é, então, um adolescente sensível e precoce. Em Angra faz as suas humanidades sob a tutela do tio D. Frei Alexandre da Sagrada Família, bispo de Angra. Ainda por influência deste, o jovem toma ordens menores, mas, na referida cidade, apaixona-se por Elisabeth Hewsson, uma inglesinha de família ligada ao comércio da laranja e já há alguns anos estabelecida na Terceira.
Os pais e o bispo, sabendo do namoro, resolvem afastar da jovem inglesa o futuro eclesiástico, mandando-o, em 1814, passar uns tempos na Graciosa em casa do tio João Carlos Leitão (irmão da mãe de Garrett), juiz de fora naquela ilha.
E é na Graciosa que João Baptista escreve os primeiros versos, já reveladores do seu talento de homem de letras. Segundo a tradição oral, o futuro escritor apaixonou-se por uma donzela graciosense, de nome Lília, a quem escreveu várias odes, mais tarde publicadas no livro Os primeiros versos de Garrett (Porto, Livraria Magalhães e Moniz, 1902), de Mendo Bem, a partir do manuscrito original que Garrett oferecera ao graciosense Francisco Homem Ribeiro, intitulado Odes Anacreonticas compostas e offerecidas ao senhor Francisco Homem Ribeiro por J.B.S.L. seu menor criado - Graciosa.

Durante a permanência do jovem poeta na ilha branca, ocorreu um episódio semiescandaloso, relatado por Francisco Gomes de Amorim, biógrafo de Garrett, e que ainda hoje faz parte do imaginário graciosense.
Um dia, o futuro Garrett ouve dizer que a pequena distância da vila de Santa Cruz se prepara uma festa religiosa a que concorre muita gente. Como não lhe falta a coragem, planeia aproveitar a ocasião para ensaiar os seus dotes oratórios. Em segredo vai oferecer-se ao mordomo da festa para dizer o sermão. O mordomo, vendo-o tão criança, não aceita a proposta, mas o jovem insiste:

- Olhem que eu sou sobrinho do bispo da diocese, e quem é sobrinho de bispo pode pregar.
- Mas o menino sabe latim?
- Mais do que muitos frades. Em Angra já eu tenho pregado muitos sermões.
O mordomo acredita ou deixa-se convencer e, chegado o dia da festa, João Baptista sobe ao púlpito com toda a segurança. Pasma o povo que enche a ermida de ver um garoto naquele lugar. Na sua voz infantil, afirma com rasgo teatral:
- Não ajuízem do sermão pela figura de quem o profere nem pela voz do pregador. Meditem bem nas minhas palavras porque nelas acharão só a verdade. A verdade, meus irmãos, tanto pode ser dita pelos velhos como pelas crianças.

Entusiasma-se o orador, e os ouvintes deixam-se dominar, esquecendo a idade de quem lhes fala. Depois de descrever a vida do orago, João Baptista entra no epílogo, condenando os vícios e exortando os fiéis à prática das virtudes cristãs, ele que ainda não sabe o que é o Mundo. Ao descer do púlpito, é saudado, à passagem, pelas exclamações do povo. O jovem sente a satisfação do triunfo e vai passear pelo arraial, sendo festejado por muita gente, incluindo pessoas da vila que foram ver a festa. Chega, por elas, a notícia aos ouvidos do tio que se zanga, não vá o bispo ofender-se. Mas D. Frei Alexandre, ao saber da ousadia do sobrinho, em vez de levar a mal, vê no facto uma prova da vocação do garoto para a vida eclesiástica.

Engana-se o bispo. Regressado à Terceira, o enamorado sobrinho, futuro diletante, dândi e janota que há-de ser príncipe dos salões mundanos, amoroso impenitente e homem de paixões, faz saber aos pais que já não quer ser padre. E, pouco tempo depois, parte para Lisboa com o objectivo de estudar leis em Coimbra. O futuro autor de Frei Luís de Sousa (1843) e Viagens na Minha Terra (1846) deixa, nas ilhas Terceira e Graciosa, idílios dos primeiros versos e dos primeiros amores...

Almeida Garrett (1799-1854), embora tivesse nascido no Porto, era filho de um açoriano e viveu na Terceira, na sua juventude. Liberal convicto, aderiu à Revolução de 1820, mas foi obrigado, como muitos outros, a exilar-se após o controlo do poder pelos miguelistas. A reviravolta que os liberais terceirenses imprimiram a todo este processo, em 1828, permitiu que os exilados fossem regressando do estrangeiro e estabelecessem na ilha o seu quartel-general.

Placa na fachada da casa na Rua de São João, Angra do Heroísmo,
onde viveu Almeida Garrett.

Durante a sua permanência em Angra, Garrett exerceu funções governativas, junto de Mouzinho da Silveira e, em 1832, acompanhou D. Pedro na conhecida expedição dos Bravos do Mindelo

Consolidado o regime liberal exerceu vários cargos na governação e foi eleito deputado por Angra.

É da sua autoria a redacção do decreto de 1837 que atribuiu a Angra o sobrenome de Heroísmo e o título de Sempre Constante e à Praia o sobrenome de Vitória e o título de Muito Notável.

Por todas estas razões ficou ligado à ilha Terceira. Por altura da comemoração do centenário da sua morte, a Comissão Central escolheu as cidades a que mais havia estado ligado, para promover as comemorações, onde se incluiu Angra do Heroísmo.

O programa das comemorações, organizado pelo grupo Amigos da Terceira e pela Câmara Municipal, iniciado em Novembro de 1954, contou com a presença do Professor Catedrático, António de Almeida Garrett, representante da Comissão Central e familiar do homenageado. Desse programa, destaco dois momentos.

O primeiro ocorreu com a inauguração da "glorieta" em sua homenagem no jardim de Angra. A efígie é da autoria do escultor Xavier da Costa e ficou enquadrada num projecto do arquitecto Fernando de Sousa.

Das várias inscrições que nela constam saliento a seguinte: "Não tive a fortuna de nascer naquele torrão, mas a minha pátria, mas a de meus pais, mas o meu património, mas tudo quanto constitui a pátria dum homem, é a minha saudosa ilha Terceira, um dos mais nobres padrões da glória portuguesa".

Fonte: Victor Rui Dores

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