As mulheres apresentam sintomas diferentes dos homens quando sofrem um enfarte agudo do miocárdio e desvalorizam os riscos. Saiba o que fazer.

Teresa demorou dois dias para reconhecer que poderia estar a ter um ataque cardíaco. Primeiro sentiu uma dor no peito. "Foi em setembro de 2017, senti um dor no peito e no braço esquerdo, mas não liguei", admite à SÁBADO. "Mas no dia seguinte a dor voltou e tive também uma náusea. Aí achei que era algo mais grave e fui para o hospital da CUF, em Cascais."

O diagnóstico de enfarte agudo do miocárdio, também chamado ataque cardíaco, é mais tardio nas mulheres e os riscos são maiores: 47% das mulheres não sobrevivem cinco anos após o primeiro episódio.

De urgência para o hospital
Aos 66 anos, Teresa não sabia que corria esse risco, ainda que tivesse o colesterol alto e antecedentes familiares."A minha mãe também teve um enfarte."

Foi transportada de ambulância para Lisboa onde realizou dois cateterismos. "Na altura, nem tive consciência de que corria perigo de vida, nem senti medo", conta. Esteve internada durante cinco dias e mudou o seu estilo de vida. "Tome medicação três vezes ao dia e tento ter uma alimentação mais regrada. Também faço ginástica duas vezes por semana." O risco de sofrer outro episódio é grande. "Tenho receio, mas faço o possível para não pensar no assunto."

Cerca de 1300 mulheres morrem todos os anos vítimas de enfarte agudo do miocárdio. A doença surge mais tarde na vida do que nos homens, manifesta-se através de sintomas diferentes que, muitas vezes, são desvalorizados por médicos e pelas próprias mulheres. O médico cardiologista Rúben Ramos, do Hospital CUF Infante Santo, explica à SÁBADO como o coração de algumas mulheres pode começar a morrer.

1. Quantas mulheres morreram com enfarte do miocárdio no ano passado?
Na Europa cerca de metade das mortes nas mulheres se deve a doença cardiovascular. Dados oficiais da Direção Geral de Saúde relativos ao ano de 2016 indicam que os óbitos associados às doenças do aparelho circulatório têm vindo progressivamente a diminuir, contrastando com os óbitos relacionados com as doenças do aparelho respiratório e com os tumores malignos onde se verifica um ligeiro aumento. Segundo o Intituto Nacional de Estatística, a taxa de mortalidade por enfarte agudo do miocárdio (EAM) em Portugal ronda os 30 por cada 100.000 habitantes, sendo que desses cerca de 13 por 100.000 habitantes são mulheres. Assim, em Portugal, morrem cerca de 3000 pessoas por ano vítimas de EAM, 1300 das quais serão mulheres.

2. As mulheres são mais afetadas pela doença?
Os homens ainda têm mais EAM do que as mulheres. Contudo, a mortalidade relativa é maior nas mulheres. Ao fim de 5 anos após um episódio de EAM mais mulheres do que homens estarão mortas (47% vs 36%).

3. Li que as mulheres morrem mais porque não identificam os sintomas.
Há várias explicações possíveis para esta diferença de mortalidade. Desde logo as mulheres são mais idosas do que os homens quando têm o primeiro EAM, possivelmente também devido ao efeito protetor hormonal até à menopausa. Outros fatores de risco cardiovasculares e comorbilidades parecem ser mais prevalentes nas mulheres quando têm o primeiro EAM, o que também é explicado pelo menos em parte pela idade. A diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca, disfunção renal e a depressão são exemplos disso.
Também é verdade que o diagnóstico é feito mais tardiamente nas mulheres, que menos vezes recebem o tratamento indicado e que os internamentos são mais prolongados e com maior probabilidade de complicações. Sabemos que o contexto social, o nível de educação e a pobreza são importantes fatores prognósticos no EAM. Mesmo fatores culturais influenciam a forma como as mulheres procuram, ou não, os cuidados de saúde. O tipo de sintomas que as mulheres experienciam ao ter um EAM poderá ter responsabilidade na apresentação muita vezes tardia à rede de socorro.

4. Quais são as diferenças de sintomas entre as mulheres e os homens?
Tipicamente doentes com EAM referem dor ou desconforto opressivo torácico com irradiação da dor ao braço ou costas e muitas vezes acompanhado por suores e falta de ar. As mulheres, não raras vezes, apresentam-se com sintomas atípicos como dor incaracterística no tórax, cansaço ou fadiga mal definida, tonturas, palpitações ou simplesmente sintomas que atribuem a indigestão ou ansiedade. Naturalmente, essa apresentação atípica pode dificultar reconhecimento dos sintomas e consequentemente levar a atraso no diagnóstico e tratamento.

5. O enfarte é provocado pela obstrução de uma artéria. O que acontece ao coração?
O que acontece é que o músculo cardíaco que era irrigado por essa artéria deixa de receber sangue oxigenado e nutrientes. Cada minuto que passa até a artéria ser recanalizada significa que mais células do coração vão morrer. Ao fim de algum tempo (6-12h) o processo pode tornar-se irreversível e levar à morte de uma grande quantidade de tecido cardíaco. Se o tratamento for tardio, a bomba cardíaca deixa de funcionar bem e o resto do corpo também começa a receber menos sangue oxigenado. Começa assim um ciclo vicioso que se não for interrompido a tempo pode ser fatal.

6. O que causa a obstrução nas mulheres?
Os mecanismos responsáveis pela oclusão arterial coronária subjacente ao EAM é semelhante nos dois sexos. Contudo a contribuição relativa de cada um varia. Embora a rotura de placa aterosclerótica coronária (placa de colesterol que causa estreitamento da artéria) seja a causa mais frequente em ambos os géneros, acaba por acontecer mais frequentemente nos homens do que nas mulheres. Nestas, sobretudo em idades mais jovens, é frequente haver erosão de placas ateroscleróticas (que antes do EAM podiam não causar sequer aperto nas artérias) com formação de coágulos dentro das artérias. Também é mais frequente nas mulheres jovens ocorrer dissecção espontânea das artérias coronárias (rasgamento das camadas internas das artérias). Isso tem sido associado ao período periparto, uso de contracetivos orais ou a vasculites auto-imunes como o lupus ou artrite reumatoide (inflamação dos vasos sanguíneos), mais frequentes nas mulheres. Um outro mecanismo aparentemente mais frequente nas mulheres é o espasmo coronário (contração intensa e prolongada do vaso) embora, no global, esta seja uma causa rara de EAM, que está associada ao tabagismo em mulheres jovens.

7. Tomar a pílula é o um risco?
O uso de contracetivos orais pode ser um de entre vários fatores risco associados a eventos trombóticos como é o caso do EAM. Esse risco é acrescido em doentes com comorbilidades como tabagismo, hipertensão, obesidade, dislipidemia [níveis anómalos de colesterol e triglicéridos no sangue] ou história prévia de enfarte ou trombose (AVC). Contudo, não é possível afirmar que por si só o uso de contracetivos orais seja responsável por EAM.

8. Quais são os fatores de risco nas mulheres?
Os dois géneros partilham a maior parte dos fatores de risco para doença coronária (onde se inclui o EAM). Estudos epidemiológicos indicam que um grupo de fatores de risco modificáveis explicam cerca de 96% do risco adquirido de EAM nas mulheres. Os fatores não modificáveis são, por exemplo, o sexo, a idade e a história familiar. Os fatores modificáveis mais importantes são tabagismo, hipertensão arterial, diabetes, obesidade, certos padrões dietéticos, falta de atividade física, consumo de álcool, perfil de lípidos sanguíneos e fatores psicossociais.
Alguns desses fatores de risco são mais potentes nas mulheres que nos homens, como por exemplo o tabagismo, a Diabetes tipo 2 e a depressão. Estima-se que cerca de metade das mulheres com mais de 50 anos tenha 3 ou mais desses fatores de risco associados. Para além disso, há evidência de que as mulheres desvalorizam o seu risco cardiovascular apesar de muitas vezes terem história familiar de risco.

9. O tratamento difere entre homens e mulheres?
Embora possa haver algumas particularidades na resposta a alguns procedimentos terapêuticos, no essencial o tratamento farmacológico (ou não farmacológico) indicado deverá ser semelhante. Constata-se porém que mesmo depois de efetuado o correto diagnóstico de EAM, as mulheres são menos vezes referenciadas para o tratamento indicado que os homens. Isso verifica-se apesar de estar demonstrado comprovado benefício terapêutico, nomeadamente na redução de mortalidade.

10. Qual é a taxa de sucesso nas mulheres? É melhor ou pior nos homens?
Quando a terapêutica é de facto aplicada em igualdade de circunstâncias a taxa de sucesso é semelhante nos homens e mulheres. Todavia as complicações são mais frequentes nas mulheres. Não só as complicações hemorrágicas que decorrem do uso de fármacos aintrombóticos (medicamentos usados para tornar o sangue menos coagulável), como também complicações mecânicas ou insuficiência cardíaca. Contribuirão para isso também a idade mais avançada, apresentação tardia, baixo peso ou a presença mais frequente de comorbilidades associadas nas mulheres que nos homens. Em Portugal a mortalidade intra-hospitalar após EAM deverá rondar os 7% e a mortalidade aos 30 dias deve-se aproximar dos 10%. Globalmente, mesmo depois de ajustado para o risco de base, a mortalidade intra-hospitlar parece ser cerca de 40 -50% superior nas mulheres.

11. Quais são as mudanças no estilo de vida recomendadas depois do enfarte?
Depois de um evento cardiovascular, enfarte, AVC ou outro, há um conjunto de cuidados que devem ser observados, a chamada prevenção secundária. Esses cuidados têm por objetivo reduzir a mortalidade, a recorrência dos eventos, prevenir complicações, reduzir ou anular sintomas e em última análise permitir melhor qualidade de vida. Uma vez que essas medidas de prevenção secundária demonstraram ser igualmente eficazes em ambos os géneros, não existem recomendações específicas para mulheres.
As medidas de prevenção secundária incluem, para além da medicação prescrita que deverá ser rigorosamente cumprida, apertado controlo dos fatores de risco nomeadamente, cessação tabágica, controlo tensional (geralmente para valores < 130/80 mmHg), controlo dos valores de colesterol sanguíneo (colesterol –LDL ou "mau colesterol < 70 mg/dl se possível), vigilância e controlo da glicemia, atividade física regular (>30 minutos diários pelo menos 5 x semana) de intensidade moderada, controlo ou redução de peso, adoção de um padrão dietético variado e equilibrado onde se deve incluir a ingestão frequente de peixe e pelo menos cinco porções diárias de "verdes"( vegetais frescos, sopa e fruta).

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