Estruturas anatómicas produzidas através de impressão 3D são feitas com colagénio, a proteína mais abundante nos tecidos humanos, e imitam as peças que fazem parte do coração

A nova técnica de impressão 3D chama-se FRESH, uma sigla em inglês que resume a uma palavra simples um processo complexo. O método, descrito num artigo publicado esta semana na revista Science, permite ultrapassar alguns obstáculos da bio-impressão em 3D prometendo uma “resolução e fidelidade sem precedentes usando materiais leves e vivos”. Para mostrar o sucesso desta técnica, os cientistas começaram pela impressão de peças soltas do coração e avisam que estão perto de conseguir fazer um coração humano inteiro.

“O que mostrámos é que podemos imprimir pedaços do coração, a partir de células e colagénio, criando partes que funcionam realmente, como uma válvula cardíaca ou um pequeno ventrículo a bater”, diz Adam Feinberg, professor de engenharia biomédica e engenharia de materiais na Universidade Carnegie Mellon, na Pensilvânia (EUA), onde se realizou este trabalho. A equipa de investigadores usou dados recolhidos em exames de ressonância magnética de um coração humano para reproduzir com precisão a estrutura anatómica específica do órgão de um doente numa bio-impressão 3D em colagénio e células humanas, explica o comunicado da universidade.
No artigo da Science, os cientistas adiantam que o colagénio é o componente principal da matriz extracelular do corpo humano, mas que até agora têm surgido vários obstáculos na tarefa usar esta proteína para replicar a estrutura e função de tecidos e órgãos. “Cada um dos órgãos do corpo humano, como o coração, é construído a partir de células especializadas que são mantidas juntas por um suporte biológico chamado matriz extracelular”, simplifica o comunicado, adiantando que esta rede de proteínas fornece a estrutura e os sinais bioquímicos que as células precisam para realizar sua função normal. “No entanto, até agora não foi possível reconstruir essa arquitectura complexa da matriz extracelular usando métodos tradicionais de biofabricação.” Imprimir com células vivas não é fácil.

O novo método que parece ter derrubado estas barreiras é complexo, envolvendo o controlo da gelificação activada pelo pH e uma alta resolução conseguida com filamentos de 20 micrómetros (mais ou menos a espessura de um cabelo humano). O resultado é uma “microestrutura porosa que permite uma rápida infiltração celular e microvascularização, bem como resistência mecânica para o fabrico e perfusão de vasculatura e válvulas com três folhas”. Ou seja, conseguiram “produzir” novas peças funcionais para reparar corações humanos avariados. O processo ficou a chamar-se FRESH que arriscando uma tradução da sigla em inglês quer dizer qualquer coisa como “incorporação reversível de forma livre de hidrogéis suspensos”.

“Percebemos que os corações bio-impressos 3D através do FRESH reproduzem com precisão a anatomia específica do doente que é determinada por tomografia microcomputorizada”, sublinham os autores do artigo especificando algumas das qualidades das novas peças. Dizem, por exemplo, que os “ventrículos cardíacos impressos com cardiomiócitos [células dos tecidos do coração] humanos revelaram contracções sincronizadas, potencial da acção da propagação direccional e uma capacidade de espessamento da parede até 14% durante o pico da sístole [período de contracção do coração]”.

UNIVERSIDADE DE CARNEGIE MELLON
Agora – adianta o comunicado da universidade – com o recurso a estes “materiais leves e vivos” a engenharia de tecidos ficou um passo mais perto de imprimir em 3D um coração humano adulto de tamanho normal. Os cientistas da instituição norte-americana lembram que há mais de quatro mil pessoas nos Estados Unidos à espera de um transplante de coração. Em Portugal, em 2018, a lista teria mais de 30 pessoas à espera de um novo coração.

“O colagénio é um biomaterial muito indicado para a impressão 3D, porque compõe literalmente cada um dos tecidos do nosso corpo”, explica Andrew Hudson, aluno de doutoramento no laboratório de Adam Feinberg e co-primeiro autor do artigo. Entre outros ingredientes, a receita para fabricar um coração em 3D passa por uma técnica que impede o fluido usado no início do processo de se deformar. Simplificando, o colagénio é depositado camada por camada num gel de suporte onde acaba por solidificar. Depois, aquecendo o gel desde a temperatura ambiente até à temperatura do corpo, é possível derretê-lo e removê-lo sem danificar a estrutura impressa feita de colagénio ou células.

Os investigadores acrescentam que o novo método pode ser usado com outra “matéria-prima”, além do colagénio. E mais: dizem ainda que qualquer um pode usar esta técnica, qualquer pessoa poderá ser capaz imprimir um coração humano. Para isso, foram lançados concursos abertos que permitem que “quase todos, desde laboratórios médicos até aulas de ciências do ensino secundário, possam construir e ter acesso a bio-impressoras 3D de baixo custo e alto desempenho.”

No futuro, a técnica também pode servir para reparar outras avarias do corpo humano. “O FRESH tem aplicações em muitos aspectos da medicina regenerativa, desde o tratamento de feridas até a bioengenharia de órgãos, mas é apenas uma parte de um campo crescente de biofabricação. É o resultado da união de várias tecnologias e conhecimentos, da informática à investigação em células estaminais, que tem sido explorada em laboratórios de todo o mundo. Eis a “promessa sem precedentes” que muitos investigadores aplaudem e que parece não ter limites. Para já, temos o coração aos pedaços.

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