As touradas à corda da ilha Terceira, nos Açores, que deveriam iniciar-se hoje, movimentando milhares de pessoas, estão suspensas até data incerta, devido à pandemia da covid-19, e os ganadeiros admitem dificuldades financeiras.

“É uma situação nunca antes vivida. Estamos com bastante apreensão, porque adivinha-se, no seguimento desta pandemia causada pelo novo coronavírus, um ano dramático em termos da realização de eventos”, afirmou, em declarações à Lusa, a presidente da Associação Regional de Criadores de Toiros de Tourada à Corda, Sónia Ferreira.

Por ano, entre 01 de maio e 15 de setembro, realizam-se mais de duas centenas de touradas à corda na ilha Terceira, aquela em que a tradição tem maior expressão nos Açores.

Nas touradas à corda, ao contrário do que acontece nas de praça, os touros correm nas ruas, amarrados por uma corda, num percurso delimitado, enquanto a população assiste, de forma gratuita, nas varandas ou nas estradas.

Na maior parte dos casos, os espetáculos tauromáquicos integram a programação das festas do Espírito Santo ou do padroeiro da freguesia, que têm sido canceladas devido à pandemia.

A evolução do surto da covid-19 nos Açores ainda é uma incógnita, mas a maior parte das touradas agendadas para maio e junho está já cancelada e há mesmo quem tenha desmarcado eventos nos meses seguintes.

“Há ganadeiros que já relataram que têm touradas que estavam apalavradas de julho e agosto a serem canceladas. Compreende-se o porquê, mas torna a situação ainda mais cinzenta”, relatou Sónia Ferreira.

As festas são organizadas por comissões de voluntários, que angariam fundos durante vários meses, o que indicia que a maioria poderá não se realizar.

“Como não há tempo, porque a verdade é que é necessário haver tempo para essas comissões poderem fazer a angariação de fundos e essas angariações normalmente recorrem a eventos onde há ajuntamentos de pessoas, que também não estão permitidos e não se sabe quando serão permitidos, dá-lhes pouca margem para poderem trabalhar para as suas festas”, explicou a presidente da associação.

Sónia Ferreira garantiu que os ganadeiros compreendem que o cancelamento das touradas é “para bem da saúde pública”, mas não escondeu que estão “bastante apreensivos” com a quebra de receitas.

“A verdade é que, se normalmente já é difícil, porque é uma atividade sazonal, neste ano, adivinhando-se, na melhor das hipóteses, alguns festejos para setembro/outubro, é claro que o impacto é catastrófico, elevadíssimo”, alertou.

A presidente da associação, que representa 11 ganadarias da ilha Terceira, três de São Jorge e uma da Graciosa, admite mesmo que a quebra de receitas possa “colocar em causa a viabilidade e continuação de algumas ganadarias”, ainda que até ao momento nenhuma tenha decidido abdicar da atividade.

“Da parte da associação já fizemos os primeiros contactos com as autoridades regionais, tanto ao nível governamental e local, para expor a situação. Percebemos que é uma situação nova, mas tentamos sensibilizar o Governo Regional e as autarquias para as dificuldades que as ganadarias vão enfrentar”, afirmou.

Um estudo realizado em 2016 pelo economista Domingos Borges, natural da ilha Terceira, estimava que os espetáculos tauromáquicos tivessem tido um peso na economia da ilha em 2015, na ordem dos 91,3 milhões de euros, o equivalente a 2,47% do Produto Interno Bruto (PIB) dos Açores e a 11,4% do PIB da Terceira, naquele ano.

O economista contabilizou os custos diretos, como o pagamento aos ganadeiros e as taxas municipais, mas também os custos indiretos, como a manutenção das moradias por onde passa a tourada, os custos com a preparação das mesas para receber amigos e familiares, a deslocação da população para assistir às manifestações ou a venda de DVD e recordações.

“A verdade é que a tourada à corda faz parte da nossa história e gera riqueza que não se encerra só nos ganadeiros. Podemos ver isso na sua dinâmica, na forma de ser da tourada à corda. Ela dinamiza talhos, mercados, o comércio local…”, salientou Sónia Ferreira.

No município de Angra do Heroísmo, as licenças para realização de touradas estão suspensas durante o mês de maio e a sua concessão será avaliada mês a mês de acordo com a evolução do surto.

Ainda assim, o presidente da Câmara Municipal, Álamo Meneses, disse que a maior parte das comissões que tinham já pedido licença desistiram entretanto.

“Todas as licenças que já tinham sido dadas estão suspensas e todas as demais estão anuladas”, afirmou.

Ao município do concelho vizinho da Praia da Vitória também não têm chegado pedidos de licenças, segundo o vereador Carlos Armando Costa.

“As pessoas têm acatado as medidas. Nas Fontinhas, tinham feito uma reserva para o dia 01 de maio e a própria comissão é que pediu para alterar para 2021”, revelou.

As duas autarquias da ilha Terceira decidiram atribuir apoios financeiros aos ganadeiros. Na Praia da Vitória será concedido o montante reservado para apoiar as comissões de festas com a realização de touradas, enquanto em Angra do Heroísmo o município vai adquirir um conjunto de touradas que serão realizadas nas diferentes freguesias do concelho, quando a pandemia o permitir.

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